terça-feira, 15 de junho de 2021

Todos nós já sentimos

Todos nós já sentimos dor, é uma condição inevitável para um ser consciente, talvez nos sintamos satisfeitos com a vida, se é que isso é possível como irei discutir mais à frente, e com leves distrações do que nos atormenta, já tivemos momentos que poderíamos descrever como felizes. No entanto, nesses momentos provavelmente já fizemos uma reflexão sobre o que é a felicidade e por termos vontade de que esse estado se torne constante perguntamos se é possível viver nessa condição exclusivamente ou se apenas se trata de uma ilusão que juntamente com a esperança possibilitam a espera da sensação que o sentimento de felicidade pode proporcionar. Como humanos, está na nossa natureza querer que algo bom dure para sempre porque não sabemos valorizar nem viver nos momentos menos bons. A vontade é dor e também a sua causa, porque nunca haverá satisfação total do desejo.

Depois de ler a obra Notes From Underground de Fyodor Dostoyevsky e tirando algumas ideias do autor para as minhas reflexões pessoais cheguei à conclusão de que a procura ativa pela felicidade é uma ideia problemática, se aprendemos algo com a psicanálise é que os humanos são extremamente talentosos no que toca a sabotar essa procura. Felicidade é uma noção confusa, basicamente depende da incapacidade ou falta de preparação do sujeito para enfrentar plenamente as consequências dos seus desejos, diariamente fingimos desejar coisas que não desejamos verdadeiramente, apenas para que a pior coisa que possa acontecer é a realização dos nossos verdadeiros desejos. Dostoyevsky diz que o ser humano irá sempre encontrar uma forma de não ficar submerso no tédio, mesmo que isso ponha em causa a sua paz ou pelo menos o que é percebido como paz. Se fosse possível ter tudo o que desejamos na vida, iríamos então encontrar uma forma de desejar mais e transtornar a estabilidade conseguida no nosso ideal precedente, a realidade é que nunca vamos conseguir aceitar a vida apenas pelo que ela é, e vamos sempre atribuir uma noção de insuficiência ao nosso estado mais primário, ao existir.

Também podemos dizer que não somos felizes porque a posse dos nossos desejos não nos torna felizes e não sabemos lidar com esse facto voltando novamente ao sentimento de insuficiência, no entanto, mesmo sendo improvável ensinar alguém a como ser feliz, podemos aprender a valorizar momentos de felicidade, estando assim destinados a viver insatisfeitos se não lutarmos contra essa corrente, e o máximo que podemos fazer é trabalhar para conseguirmos viver “menos infelizes”.

Sendo que debatemos estas questões tendo em conta a perspetiva e vivências de um ser consciente, será que, se essa consciência desvanecesse, a procura pela felicidade seria mais fácil?

A verdade é que para a condição humana, a ausência absoluta da consciência não é uma realidade, podemos, no entanto, utilizar um exemplo um pouco mais aproximado do centro desse espectro, alguém menos consciente deveria então ser mais feliz, visto que não tem a capacidade de observar e tirar conclusões da sua realidade que o possam deixar atormentado, está completamente à deriva na sua existência e vive numa realidade criada pela reação a impulsos, é então verdade que provavelmente vive uma vida menos preocupada e mais feliz, mas para essa ser a sua realidade não pode possuir outros valores importantes como a empatia, o controle sobre os impulsos, curiosidade, entre outros, tendo assim também angústias e sofrimento como todas as outras pessoas. Podemos utilizar por exemplo a Morte, sofre-se com a morte, pois, assim como a vida, ela é uma extremidade da existência, independentemente do nosso nível de consciência. Onde quero chegar com esta reflexão geral é que não é possível viver isento de sofrimento, de dor, de angústias, mas é necessário perceber que estes momentos são os que fazem com que os momentos felizes sejam, de facto, prazerosos, se a nossa ideia de uma vida perfeita fosse exclusivamente felicidade e estados de espírito dessa natureza, nunca iríamos estar verdadeiramente felizes, somos demasiado ingratos para aceitar que essa seria uma condição perfeita depois de vivermos nela durante algum tempo. Temos de encontrar um equilíbrio e aceitar o momento como ele é, aceitar que quer seja bom ou mau é necessário e traz perspetiva ao nosso dia-a-dia.