terça-feira, 15 de junho de 2021

Dragões, feiticeiros e... dados

 “Vocês caminham por estes túneis húmidos e frios durante algumas horas, até que chegam a uma parte do vosso percurso em que conseguem observar uma luz dourada mais à frente.” – diz uma figura que observa outros quatro indivíduos numa mesa atrás de uma barreira de cartão decorado com gravuras de temas de fantasia.

“Nós seguimos em frente, se há luz pode ser que haja uma saída.” – respondeu uma das pessoas em torno da mesa.

Por trás da barreira, esta pessoa acena afirmativamente com a cabeça – “Vocês seguem caminho, e ao dobrar uma esquina, vêm uma sala imensa esculpida na rocha desta caverna, com pilares que a sustentam em toda a volta. No entanto, o mais impressionante que observam nesta área... é a imensa pilha de tesouro que se encontra no centro. Moedas de ouro e prata, jóias e pedras preciosas, armas e armaduras magníficas criadas por mestres... é um tesouro imenso que é suficiente para vos reformar prematuramente da vossa vida de aventureiros.”

“Eu começo a pilhar o tesouro!” – diz uma outra pessoa com uma voz empolgada.

Um sorriso esboça-se nos lábios deste narrador – “Enquanto começas a encher a tua mochila com moedas e jóias, reparas em algo a mover-se nos recantos mais escuros desta caverna... e no meio da escuridão um olho, maior do que a tua cabeça, de um laranja incandescente observa-te. Este olho eleva-se alto, e aproximando-se da luz reparas numa cabeça reptiliana monstruosa, com dentes afiados como facas e escamas vermelhas como rubis... “Quem ousa perturbar o meu domínio?!” – ecoa uma voz que voz invadiu o silêncio desta área, ecoando como um trovão nas paredes de pedra... encontram-se agora na presença de um dragão vermelho, e ele não está nada feliz por perturbarem o seu descanso... rolem para iniciativa!”

 

Este pequeno texto é um bom exemplo do que eu vou falar, algo que começou há muitos anos atrás, em 1972, após o encontro entre dois indivíduos chamados Gary Gygax e Dave Arneson, numa cave em Lake Geneva, em Minneapolis nos Estados Unidos., para o que seria “apenas” uma sessão de jogos de tabuleiro... e se viria a tornar em algo muito maior daquilo que estavam à espera... Dungeons & Dragons.

Dungeons & Dragons é um Tabletop Roleplaying Game, onde temos os jogadores que criam personagens e jogam o jogo encarnando a sua personagem (daí o roleplay), completando missões, subindo de nível e ficando mais fortes, e o Dungeon Master, cujo a função é fornecer a narrativa da história do jogo, interpretando as diversas personagens que fazem parte do mundo, lutando contra os jogadores com os vários monstros que existem, desde gigantes, quimeras e dragões, e talhando o rumo do jogo conforme as acções dos jogadores.

Apesar de parecerem duas equipas opostas, é costume um Dungeon Master e os seus jogadores trabalharem em conjunto, de forma a poderem dar à história um rumo que agrade a todo o grupo, se um jogador achar que a sua personagem precisa que tratar de algum assunto da sua história em missões futuras, cabe ao Dungeon Master dar essa oportunidade de explorar o passado desta personagem e atar pontas soltas na história dela, dando uma conclusão a uma demanda que ela tenha há anos por exemplo.

Mas este jogo é tão mais que simplesmente rolar dados e passar de nível, posso realmente dizer que este jogo despertou de novo em mim aquela faísca de maravilha que possuía quando era criança e lia o Senhor dos Anéis, fez-me dar valor ao gosto que sempre tive por escrever e criar histórias, personagens e mundos, Dungeons & Dragons tem imensa capacidade para despertar a criatividade seja em quem for! Eu vi pessoas formadas em diversas áreas que nada têm a ver com arte a ganharem gosto por voice acting, actuação, escrita criativa e desenho por exemplo! E não só na vertente criativa, mas também a nível social e pessoal, tantas pessoas que eram anti-sociais ou introvertidos e encontraram neste jogo uma maneira de poderem socializar com outras pessoas, as quais se não fosse por este jogo elas seriam demasiado diferentes para se conhecerem de outra maneira. Ou até mesmo em pacientes com depressão, que encontraram neste jogo uma maneira de lidarem com os seus demónios ao poderem refugiar-se por detrás desta armadura que é a sua personagem, o seu “eu” ideal, e que muitas vezes aprenderam imenso com isso e acabaram por conseguir lidar melhor com as suas dúvidas e medos.

Felizmente o estigma de que Tabletop Roleplaying games são o epitomo da cultura nerd, e que só apenas pessoas que vivem nas caves das mães sem saírem à rua é que os jogam tem vindo a diluir, talvez muito com a ajuda de celebridades, como Vin Diesel, Joe Manganiello, Stephen Colbert e Jon Favreau são apenas uma fracção deste grupo imenso de pessoas conhecidas mundialmente que jogam Dungeons & Dragons, e que muitas vezes admitem que as suas carreiras se tornaram mais produtivas devido a este jogo.

Recentemente, D&D tem tido um crescimento grande, muito devido às livestreams na plataforma Twitch do grupo Critical Role, um grupo de voice actors americanos, vozes de muitas das personagens que vemos em séries de animação, filmes e jogos, que começaram a partilhar as suas sessões na casa do seu Dungeon Master, Matthew Mercer, com o mundo sem saber no que iria dar... e recentemente quebraram o recorde no Kickstarter para a realização daquilo que seriam apenas 3 episódios animados sobre a sua campanha de D&D, para a qual o objectivo era chegarem a 750 mil dólares num prazo de 45 dias... e os seus fãs decidiram quebrar as expectativas e quase bater os 12 MILHÕES de dólares, tornando este sonho partilhado entre este fantástico grupo de pessoas e os seus fãs, de ver as personagens que adoram numa série animada completa, com as vozes dos seus jogadores. E quem diz Critical Role diz imensos outros grupos que decidiram fazer o mesmo e estão a ter imenso sucesso.

Dungeons & Dragons permite-nos brilhar e poder ser quem somos na realidade, sem máscaras, permite-nos entrar em contacto com o nosso lado artístico e criativo, permite-nos rir com as peripécias das nossas personagens ou dos membros do nosso grupo, e chorar quando perdemos alguma personagem que o Dungeon Master usou para interagir connosco e a quem nos afeiçoámos, ou até mesmo quando a nossa própria personagem perde a vida de uma maneira heróica a salvar um companheiro, Dungeons & Dragons é isto e muito, muito mais.

Espero que este texto tenha sido elucidativo e vos tenha despertado o interesse... e quem sabe se futuramente não nos veremos na mesma mesa do mesmo lado ou em lados opostos do Dungeon Master’s Screen... podem encontrar-me a mim e a muitos dos nossos colegas no Núcleo de DUngeons & Dragons da FBAUL... e até lá, que os dados estejam sempre a vosso favor.