terça-feira, 15 de junho de 2021

Retrospectivas e Reflexões de alguém que se vai embora

 Como é que, ao afundar uma esponja num vasto oceano, se pode sequer esperar que ela não absorva água? É inevitável. Eu sou uma esponja.

No mês de Agosto deste ano algo vai mudar na minha vida. Tudo. Vou embarcar numa viagem de, à partida, quatro anos para a terra do capital, das segundas intenções, “o melhor país do Mundo”, os EUA. Estou plenamente ciente do choque cultural pelo qual vou passar quando lá chegar, mas também não tenho dúvidas que a adaptação vá muito mais longe do que isso. Não se trata de umas férias, vou viver e respirar aquela cultura na primeira pessoa durante anos. Por muito que diga e prometa aos meus amigos que não vou mudar e que quando voltar vão ter o mesmo amigo à sua espera, eu de nada disto sei. Aliás, eu de tudo isto duvido. A verdade é que não sei ao certo quando e se sequer vou voltar. Vou visitar, mas não vou viver nem respirar esta cultura. Tratar-se-ão apenas de umas férias.  

Há umas semanas, em conversa com um amigo meu que por acaso nasceu nos Estados Unidos, levantou-se o tema das relações e interações interpessoais e como diferentes culturas se refletem de forma diferente nessas mesmas relações e interações. Ele dizia-me que, nos Estados Unidos, as conversas que tinha em grupo eram muitas delas superficiais ou manipuladas por interesses terceiros, algo que, cá em Portugal, não acontece com tanta frequência. Isto deixou-me a pensar.
O povo Americano tem um hábito de manter-se ocupado. Isto foi me deixado bastante claro quando, ao comparar o meu atual horário numa faculdade Portuguesa àquele que será o meu horário no próximo ano letivo nos EUA, reparo que, enquanto que cá em Portugal chegava a ter semanalmente dias sem aulas ou com apenas uma aula, nos Estados Unidos todos os meus dias de trabalho serão preenchidos com aulas das nove da manhã às cinco da tarde. Será que a própria ética de trabalho associada a uma certa cultura pode afetar a forma como as pessoas se apresentam perante outras? De facto, faz sentido que assim seja. Já estabelecemos previamente que o povo Americano dá mais importância aos seus horários de trabalho que o povo Português. É natural que, alguém que passe mais tempo envolvido naquilo que é a sua vida profissional ou académica, irá valorizar essa vertente da sua vida, à partida, mais que alguém que dedica mais tempo a outras coisas para além do trabalho, quaisquer que essas sejam. Uma vida social que acaba por viver à volta da esfera de trabalho parece-me inevitável que seja secundarizada, vivida com a intenção de melhorar aquela que é a mais presente parte na vida, neste caso, dos Americanos. Cá em Portugal, muitas vezes, em situações sociais, o trabalho fica esquecido, como se deixasse de existir. Hábitos diferentes, prioridades diferentes. Isto é algo que me desconcerta um pouco, no entanto.


Há certas coisas com as quais cresci e que de certa forma tenho vindo a banalizar. Esta é uma delas. No entanto, agora que vou me vou mudar para o outro lado do Atlântico, são essas mesmas coisas que não quero deixar. São certas coisas que já fazem parte de mim. No entanto, estou ciente que ainda vou a tempo de perdê-las. A única coisa que tenho a fazer a este ponto é manter-me verdadeiro às minhas origens e aos meus valores. Se os perder não sei se os vou conseguir de volta.

Como é que, ao afundar uma pessoa num vasto oceano, se pode sequer esperar que ela saia viva? Graças a deus que sou uma esponja. Vivo hei de sair.