terça-feira, 15 de junho de 2021

Estou de passagem

Hoje levantei-me às 9:37. Sonhei com prazos de entrega e automações. Não dormia há 43 horas. 

Os dias passam depressa e tão devagar ao mesmo tempo que me ausento da minha própria noção de tempo. Enquanto tento processar tudo o que está a acontecer dou voltas à mesa da cozinha até alguma espécie de inspiração ou intenção me assoberbar e ligar de novo o modo automático. A expressão “ter os pés assentes na terra” nunca fez menos sentido. Parece que quanto mais me distancio das coisas efervescentes do mundo contemporâneo, mais vou ao encontro da minha sobriedade.

Sinto-me ausente. Não sei onde fui nos últimos tempos mas espero que esse lugar onde me encontro seja melhor do que aquele que o meu corpo pisa todos os dias. Corpo esse tão vazio, tão físico, dono das ações e do mérito por elas. Que fala, que escreve, que se vê no espelho, dissociado de si. “Quem és tu”

Existe um turbilhão de pensamentos que me envolvem, um universo de inovações e revoluções a acontecer lá fora, mas do outro lado da minha janela só vejo a vizinha a passear o cão de vez em quando. Deste lado, faço mil e uma coisas ao mesmo tempo, mas é como se não estivesse a fazer nada. O propósito existe mas não tem propósito nenhum. Às vezes dou por mim a pensar qual é o objetivo de tudo isto, da minha existência ou o que quer que isso seja. Não sei. Mas gosto de acreditar que é sentir. Sentir o sol na pele quando nasce na madrugada, sentir o cheiro nostálgico do início de verão, sentir a brisa fresca e a adrenalina do movimento. Olhar. A forma como a luz molda cada objeto, cada paisagem, cada ser. A forma como pinta com todas as cores do arco-íris. A forma como estas nos provocam sensações, despertam emoções, criam cenários, trazem lembranças. E nos deixam sonhar. 

Ouvir. O som das ondas do mar ou jazz ao fim da tarde. 

Deixar-me levar pela natureza das coisas. Permitir que me toque e me inspire e me deixe levar o meu tempo. Tentar sentir as minhas vibrações e as dos outros e do que está à nossa volta.

Hoje o mundo exige demasiado de mim, arranca-me da minha forma, faz-me tantas perguntas às quais não tenho resposta. A claustrofobia de ter de estar a par de tudo, de fazer em função de, de criar por imperativo de outrem, é só um impedimento à minha expansão. 

De que me serve exceder os meus próprios limites, gastar a minha energia em algo que não cativa a minha presença.

Quero experienciar a Terra.

Afinal, estou só de passagem.