quarta-feira, 16 de junho de 2021

Escravo do Mundo

Não é segredo nenhum que religião é uma das coisas que mais influencia a humanidade num todo, nos molda, no idealiza, nos constrói para algo. Se olharmos cinco mil anos atrás, toda a história da humanidade sempre foi marcada e influenciada pela religião. Mas eu não venho aqui falar acerca da religião num todo. Não. Eu venho falar acerca do meu caso específico, do que é viver e crescer dentro dum lar que é absolutamente controlado pelos ideais duma ceita, ou para ser mais exato, o pesadelo que foi sair da mesma. Não vou especificar qual a ideologia por detrás da ceita donde cresci, pois não quero ferir a suscetibilidade de cada um, por isso tanto podiam ser católicos como evangélicos ou testemunhas de jeová, a realidade é que, não importa a ideologia de cada grupo, porque, enquanto nós como humanidade, deixarmos que os nossos ideais e éticas sejam moldadas pelo grupo de massa que seguem cegamente uma ideologia sem qualquer fundamento para além de fé, então nunca nos iremos libertar destas correntes que nos prendem a mente.

Desde muito pequeno eu sempre pertenci a essa ceita, não é que também tivesse muita escolha, os meus pais eram, os meus irmãos eram, os meus avôs eram, toda a gente que sempre conheci, amigos e entrequeridos, todo o meu mundo sempre foi essa ceita. Nunca tive oportunidade de parar um pouco e pensar se, era realmente aquilo que acreditava, se era o que realmente queria fazer e seguir. Continuei a crescer lá dentro, a aprender os costumes e as leis e as ideias, ideias que me eram despejadas como um programa ou, um vírus, que é descarregado para dentro do nosso ser, que nos molda, que nos hipnotiza nos cega nos bloqueia, e, quando damos por nós, nós já repetimos tudo como um gravador estragado que não sai do mesmo take, lemos palavras que não foram escritas por nós e enaltecemos a nossa voz com frases que nos foram lá colocadas. Entramos num estado… dormente… quase que… morto… O que é a existência se… um simples culminar de ideias e crenças pessoais que nos moldam como pessoa? O que sou eu mesmo, como espetro neste universo se, não um simples conjunto de ideias e gostos e filosofias pessoais que moldam a minha existência? Então se… eu não tenho livre-arbítrio para tomar as minhas escolhas, nem mente critica para formular as minhas ideologias, será que eu sequer existo…? Ou torno-me apenas parte dum sistema manipulado e construído para tomar conta de nós, nos prender, formatar, agarrar e violar a nossa própria existência, sermos nada mais do que simples pedaços de carne que deambulam por esta terra a pregar palavras que não são minhas? E eu continuei, até aos meus dezassete anos, dezassete anos nesta ceita, neste grupo, nesta tão aclamada família e não me entendam errado, pessoas incríveis, simpáticas e que me amavam muito, mas que eram vítimas deste controlo mental, pessoas que nunca iriam sair da caixa que os prendia, nunca iriam tomar o passo de saírem da caverna de Platão, de enfrentarem o medo e perceberem que não se passava duma farsa, duma mentira feita pelas pessoas no poder, para nos manter controlados, eu não iria fazer parte deste meio, recusei-me, consegui quebrar as correntes que me prendiam, consegui estabelecer mente e forma de pensar própria depois de tantos anos preso a um meio que se dizia tão aberto e livre, tão enaltecido e de olhos abertos porque, “víamos a verdade com os nossos olhos”, mas não tínhamos consciência critica, éramos bloqueados e vendados e regidos por leis e normas que ninguém parava sequer para pensar no porquê delas existirem. E eu saí. Parti a parede. Abri os olhos. E o meu mundo caiu sobre mim. O pior problema das ceitas nem é lidar com as leis que te impõem durante toda a tua vida, não, é entenderes que a tua vida inteira, todo o teu mundo, as pessoas que mais amas, todas vivem neste meio, e a dor, o peso, o fardo que é saberes que, ao quebrares as correntes, ao, te libertares deste mundo que te impede de seres um individuo consciente, estás a mandar tudo o que amas, tudo o que te rodeia, embora. E tudo o que sempre amaste te manda embora, te expulsa, te corta da vida deles como um tumor que se alastra dentro do corpo, e eu torno-me esse tumor por simplesmente querer o que é certo para mim, por simplesmente tomar a decisão de ser eu a escolher o que quero para o meu futuro, em que desejo acreditar. Tudo o que sempre quis foi um “claro, nós entendemos, fico feliz que tenhas tido a força mental para pensares fora da caixa e tomares o teu próprio caminho”. Não haveriam eles de ficar contentes…? Porquê? O que estamos dispostos a sacrificar pela liberdade? Até que ponto é que a liberdade é melhor? e agora sou livre, sim livre, mas para fazer o quê? Não me entendam errado, prefiro andar sozinho no caminho certo, do que acompanhado no caminho errado, não que haja certo ou errado, mas é o caminho errado para mim, não importa quantos amigos tenhamos, família, pessoas que nos são queridas, até mesmo relações amorosas, a única certeza que temos na nossa vida, somos nós mesmos e às vezes, escolhermos o caminho certo para nós, mesmo que seja sozinho, não significa que é errado. É preciso alguém com muita força emocional para ser capaz de abdicar de tudo o que ama pelo bem daquilo que defende e acredita. Porque o que não nos mata, só nos deixa mais fortes.  

… Certo?

Ou …

O que não nos mata, só nos deixa mais quebrados …?

Queria só terminar com esta ideia, não deixem de ser vocês mesmos, não importa o preço que estejam dispostos a pagar, não sacrifiquem o vosso ser pelo bem de outros, pela companhia de outros, se tiverem de cortar cada única pessoa da vossa vida pelo bem daquilo que acreditam, façam-no, porque se essas pessoas merecessem estar na vossa vida, então elas nunca teriam de ir contra aquilo que vocês acreditam. Nunca se esqueçam, “eu preferia estar morto, do que estar em algum sítio da qual não pertenço, porque morte é melhor do que escravatura.”